Fome de Tudo

A mesa é farta
Com carnes, pães e malte
Frutas, vinhos e chocolate
Só a fome não mata...

A totalha é rendada
Com louça de porcelana
Forma e talheres de prata
Só a fome não mata...

A boca é devoradora
Com lábios, dentes e língua
Ferozes, ávidos e insaciáveis
Só a fome não mata...

Nada pré-enche meu âmago
Enche olhos e estômago
Alimenta a falta
Só a fome não mata...
Lentes de Contato

Que visão distorcida
que separa a vida
meu corpo
seu corpo
entre muitos outros

O coração acompanha
disfunção tamanha
se apossua
não ama
afasta! nada bacana...

Por isso invente
lentes de contato
e de aumento
corpos fundidos
coração expandido

Só se ama de fato
quando não mais se enxerga os espaços...
Relato de um Final de Semana

Percebi que não sei viver. Foram me cortado todas as respostas naturais. O corpo morto não responde a seus impulsos. De repente com as doses e overdoses refleti alguma coisa, mas nunca uma manifestação real do que foi estimulado. As réplicas foram programadas e os desejos, vontades e anseios foram reduzidos ao nada. O belo virou coisa sobrenatural, inexistente num mundo normal. Se relacionar se transformou em competir. Demonstrar amor, sinônimo de brigar. Viver só pôde significar sofrer. E meu ser se resumiu em ter. Não sentir virou necessidade vital. Sem penas, mágoas ou poemas. E se por acaso a dor insistia, ópio para eximí-la. Sempre anestesiada e ocupada facilitava o não pensar. Esquecer, melhor, bloquear, remédio fundamental para continuar. Flores de plástico, papel de parede, fácil! Fingir! Estratégias para resistir.
Percebi que para viver terei que abrir meu peito e trocar meus olhos, para amar e enxergar direito. Eliminar o medo, me olhar no espelho, tocar o outro, receber dele. Caminhar sem rumo, buscar o desconhecido, desmentir o destino. Aceitar o vazio e o preencher de verdades, não mais estrume. Celebrar a existência, estar presente no mundo, dançar, sorrir, sentir. Gozar. Não indiferenciar, a felicidade procurar.
Reforma Agrária do Ar
Sem ilhas desconhecidas
o homem inventa um mar
no ar
para navegar

Desbrava as ondas
Se apossa das bandas
constrói seu império
real
de forma virtual

Pra não ficar feio
inventa o email
uma residência individual onde cada sujeito
de fato
têm um espaço

Mas limita o domínio,
o tamanho, e os indivíduos
mantendo o esquema
mesmo
de mendigos

Em terras os sem-teto
em bandas os sem-existência
de novo
exploração do povo
Abandono

Insensível
Saber do feto
E não ter afeto

Inescrupuloso
Deixar-se amar
E abandonar

Imoral
Fingir amizade
E fazer maldade

Imperdoável
Fazer promessas
E não cumprir

Inesquecível
Ver a partida
Sem despedida

Indestrutível
Passar por isso
E resistir
Mentiras
Minto estórias
Das inúmeras mazelas
Que penso esconder
Ornamentando com plumas
E paetês

Finjo alegrias
Das diversas fraquezas
Que julgo encobrir
Colorindo a máscara
Com guache e giz

Oculto tristezas
Das várias lástimas
Que acho disfarçar
Pulando em qualquer
lálaiálaiá

Invento lendas
Das desmedidas situações
Que imagino ser
Acreditando nas fantasias
E alegorias

Será possível,
Sobreviver sem mentiras?
Recomeçar

Descida a colina
Amanheço no vale
A próxima subida
Dá fadiga

Com o corpo pesado
Os pés arriscam
Inútil esforço
Não me movo

De olhos cerrados
O escuro domina
Não percebo o outro
Me sinto sozinha

Só não desisto
Respiro a coragem
Assumo ansiedade
Me mantenho na linha
Você

Sem compreender o porquê, tudo me leva a você. Sei que me acalenta lembrar, saber que está, mesmo sendo lá. Já mudaram as formas, tamanhos, dimensões, proporções. Sentimentos intensos, ternos, ardentes. Aversos, coléricos, indigestos. Mornos ou indiscretos. Mas sempre sinto. Nunca some ou desaparece. Seja lá o que for a você permanece. Padeço em saudade. Amargo em esperança. Saltito de alegria, quando boas são as lembranças. Por vezes acho que esqueço. Mero engano! Basta uma cor, um odor, um tempero. Uma música ou um obejto, é você que vêm em meus anseios. O que espero é que abrande, acalme, serene. Primeiramente, tento. Sem sucesso, conformo. E já que se passa, mas não se esquece, o transformo em versos, para permanecerem belos.
Novo Ano
*
Novas madeixas
Novas deixas
Nada de queixas
*
Novos mares
Novos ares
Nada de pesares
*
Pois mesmo não sendo condessa
Não vou para Palmares