Água Viva
Parada, completamente inerte. De olhos fixos para baixo, vejo a água, que corre, límpida, diáfana, gelada. Seu gelo não sinto, mas o adivinho. Do simples saber de experiências passadas. Seu destino não sei, mas imagino. Que sendo filtrada por todas as pedras que inertes como eu fitam o seu percurso, desembocará ao encontro de si. Num lago, confluindo com a água que ali já estava. Ou de seu oposto. Num mar, onde a aspereza do sal não intimida o desejo de misturar-se ao mistério da profundidade. Mas o que pretendia falar era do medo. O qual me coloca nesse estado imóvel. Que não é o medo do encontro. É o medo do lançamento. Já pulei dessa altura outras vezes, mas dessa vez, algo me faz parar e achar que não vou conseguir. Estatizada, penso em tudo o que pode acontecer caso meu pula saia errado, descompassado. Um descálculo, um deslize e não saio mais da água, e em segundos o futuro após o lançar estará desfeito. Indecisa, o medo começa a subir pela espinha, lentamente. Arguto, se faz delicado e racional ao mesmo tempo que petrifica e entontece. A lucidez é a desculpa do medo. Com prudência sento na pedra e balanço minhas pernas. A gravidade as puxa e me ampara na decisão de não mergulhar. Prefiro o caminho das pedras ao ar, penso. Desço e já à beira, entro cuidadosamente. A cada passo a água gelada que está, me agulha sem piedade. Não me agulharia assim se a invadisse num só pulo. Pedindo licença singelamente, ela me analisa de forma grosseira. Submergida, olho para cima. E mesmo embaçado, consigo observar o quão alto estava. É, dessa forma estou mais confortável. Nado e me integro à água, à vida. Queria o salto, mas no momento, o caminhar se coloca menos tenso.
Um comentário:
Lispectorianamente wolteriano!
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